
Ela brilhou nas telas, mas fora delas enfrentou um drama silencioso: falta de controle sobre o próprio dinheiro. O caso Larissa Manoela escancarou um problema jurídico grave — e agora inspira um projeto de lei que pode mudar o futuro de milhares de artistas mirins no Brasil. Entenda o que é a “Lei Larissa Manoela”, o que propõe o PL 4.919/2023 e por que ela se tornou urgente.
Introdução
A atriz Larissa Manoela voltou aos holofotes não apenas por seus papéis de sucesso na televisão, mas também por uma conturbada disputa com os próprios pais envolvendo a gestão de seu patrimônio. A jovem revelou publicamente que não tinha controle sobre os milhões arrecadados durante sua carreira, o que gerou comoção nacional e reacendeu o debate sobre os direitos de artistas menores de idade.
Projeto de Lei nº 4.919/2023- Lei Larissa Manoela
A situação vivida por Larissa revelou lacunas na proteção jurídica de menores artistas, cujos rendimentos acabam, por vezes, sendo geridos exclusivamente pelos pais, sem fiscalização ou garantias. Em resposta a esse cenário, foi apresentado o Projeto de Lei nº 4.919/2023, conhecido informalmente como “Lei Larissa Manoela”. O texto propõe alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com o objetivo de assegurar que parte dos rendimentos de artistas mirins seja obrigatoriamente depositada em conta judicial, com movimentação condicionada à autorização judicial.
Atualmente, o artigo 17 do ECA já protege a imagem e a dignidade da criança, e o artigo 227 da Constituição Federal impõe prioridade absoluta à proteção integral. Contudo, no plano prático, a aplicação dessas garantias muitas vezes esbarra na ausência de fiscalização efetiva sobre os contratos artísticos e os rendimentos obtidos por menores. A jurisprudência nacional já enfrentou casos semelhantes, como nos julgados do STJ que discutem a responsabilidade civil dos pais em situações de abuso de representação patrimonial dos filhos (REsp 1.149.314/SP).
Se aprovado, o PL 4.919/2023 tornará obrigatória a autorização judicial para a celebração de contratos envolvendo menores artistas e determinará que ao menos 20% dos ganhos sejam depositados em conta vinculada, com movimentação apenas mediante ordem judicial. A medida, além de inspirada em modelos internacionais como o Coogan Act da Califórnia (EUA), representa um avanço na doutrina da proteção integral e no combate à exploração econômica familiar.
O que propõe a “Lei Larissa Manoela”?
O Projeto de Lei 4.919/2023 tramita no Congresso e busca proteger os rendimentos de menores artistas. A proposta inclui a criação de uma conta judicial vinculada, com movimentação condicionada à autorização de um juiz.
Pelo menos 20% dos ganhos deverão ser bloqueados para uso apenas na maioridade ou mediante decisão fundamentada.
E como é a lei hoje?
O Estatuto da Criança e do Adolescente protege a imagem, o desenvolvimento e a dignidade de menores. Contudo, não há regra expressa sobre o controle do dinheiro arrecadado em contratos publicitários ou artísticos.
Na prática, os pais gerenciam todos os valores, muitas vezes sem prestação de contas ou controle judicial.
O que diz a jurisprudência?
O STJ já reconheceu, em precedentes relevantes, a responsabilidade civil dos pais por má gestão do patrimônio de filhos menores.
O caso REsp 1911030/PR discutiu exatamente isso: quando pais usam indevidamente bens sob sua guarda, podem responder civilmente.
A Corte afirmou que a separação dos pais não exime nenhum deles do dever de cuidado e orientação, especialmente quando o poder familiar é exercido de forma conjunta. Assim, o fato de o menor não residir com um dos genitores não configura, por si só, excludente de responsabilidade civil.
No voto do Ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, destacou-se que ambos os pais são responsáveis solidários pelos danos causados por filhos menores, desde que exerçam o poder familiar. A decisão firmou que não existe norma legal que exclua automaticamente o genitor da responsabilidade apenas por não deter a guarda.
Complementando essa posição, o Enunciado 450 da V Jornada de Direito Civil afirma que a responsabilidade dos pais é objetiva e solidária, ainda que separados, salvo direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores.
Esse entendimento reforça a necessidade de regras claras e controle judicial sobre a administração do patrimônio de menores, especialmente no caso de artistas mirins, como defende o projeto da “Lei Larissa Manoela”. A jurisprudência, portanto, sustenta o avanço legislativo na direção de uma proteção efetiva da infância e juventude.
Mesmo com decisões judiciais importantes, ainda há insegurança jurídica por falta de regra clara no plano legislativo.
Lei Larissa Manoela e o Direito Comparado
O projeto de lei, ao exigir autorização judicial para contratos e bloquear parte dos rendimentos dos menores, alinha-se a tendências já consolidadas no direito comparado, como a Coogan Law nos Estados Unidos, e normas específicas adotadas em países como França, Reino Unido e Canadá. Essas legislações visam resguardar o futuro financeiro de crianças artistas, limitando o acesso irrestrito dos responsáveis legais ao patrimônio gerado pelo trabalho infantil artístico. A discussão no Brasil, portanto, se insere em um movimento internacional de fortalecimento da doutrina da proteção integral da criança e do adolescente.
1. A Coogan Law – Califórnia, EUA
Criada em 1939, essa lei foi motivada pelo caso do ator mirim Jackie Coogan, estrela de filmes com Charlie Chaplin. Quando atingiu a maioridade, Coogan descobriu que seus pais haviam gasto quase todo seu patrimônio. O escândalo deu origem à “Coogan Act”, oficialmente chamada California Child Actor’s Bill.
Principais pontos da Coogan Law:
Estabelece que 15% dos rendimentos do menor artista devem ser depositados em uma conta fiduciária (chamada Coogan Account), inacessível aos pais.
A conta só pode ser movimentada quando o menor atingir a maioridade ou mediante autorização judicial.
Determina que todos os contratos envolvendo crianças no meio artístico precisam de aprovação de um juiz e supervisão do Labor Commissioner.
A lei já passou por diversas atualizações, sendo adotada também por outros estados norte-americanos, como Nova York e Louisiana, com variações no percentual e nos requisitos de supervisão.
2. Outros países com proteção semelhante
Reino Unido
Artistas mirins precisam de licença especial de trabalho infantil, emitida por autoridades locais.
Exige-se um responsável legal e supervisão estrita do horário de trabalho e escolarização.
Ainda que não haja uma “Coogan Law” específica, os tribunais britânicos admitem trusts ou fundos supervisionados para proteger os ganhos do menor.
Canadá
No Quebec, há exigência legal para que uma porcentagem dos rendimentos de artistas infantis seja reservada em fundo específico, gerido por instituições financeiras regulamentadas.
O trabalho artístico de menores exige autorização formal do Commission des normes, de l’équité, de la santé et de la sécurité du travail (CNESST).
França
O Código do Trabalho francês obriga que os rendimentos de menores trabalhadores (incluindo artistas) sejam depositados em conta bloqueada até a maioridade.
Os contratos precisam de autorização da inspeção do trabalho (inspection du travail).
Considerações Finais
O projeto já conta com apoio de entidades do setor cultural e de defensores dos direitos da criança e do adolescente, que veem na proposta uma chance de coibir abusos silenciosos e estruturar uma política pública sólida para jovens talentos. A história de Larissa Manoela, portanto, pode se transformar em um divisor de águas na regulamentação da atividade artística infantojuvenil no Brasil.
Imagem original disponível em Flickr – Agência Senado