“Lei Larissa Manoela” avança no Congresso

Lei Larissa Manoela
Foto: Pedro França/Agência Senado – Licença CC BY 2.0

Ela brilhou nas telas, mas fora delas enfrentou um drama silencioso: falta de controle sobre o próprio dinheiro. O caso Larissa Manoela escancarou um problema jurídico grave — e agora inspira um projeto de lei que pode mudar o futuro de milhares de artistas mirins no Brasil. Entenda o que é a “Lei Larissa Manoela”, o que propõe o PL 4.919/2023 e por que ela se tornou urgente.

Introdução

A atriz Larissa Manoela voltou aos holofotes não apenas por seus papéis de sucesso na televisão, mas também por uma conturbada disputa com os próprios pais envolvendo a gestão de seu patrimônio. A jovem revelou publicamente que não tinha controle sobre os milhões arrecadados durante sua carreira, o que gerou comoção nacional e reacendeu o debate sobre os direitos de artistas menores de idade.

Projeto de Lei nº 4.919/2023- Lei Larissa Manoela

A situação vivida por Larissa revelou lacunas na proteção jurídica de menores artistas, cujos rendimentos acabam, por vezes, sendo geridos exclusivamente pelos pais, sem fiscalização ou garantias. Em resposta a esse cenário, foi apresentado o Projeto de Lei nº 4.919/2023, conhecido informalmente como “Lei Larissa Manoela”. O texto propõe alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com o objetivo de assegurar que parte dos rendimentos de artistas mirins seja obrigatoriamente depositada em conta judicial, com movimentação condicionada à autorização judicial.

Atualmente, o artigo 17 do ECA já protege a imagem e a dignidade da criança, e o artigo 227 da Constituição Federal impõe prioridade absoluta à proteção integral. Contudo, no plano prático, a aplicação dessas garantias muitas vezes esbarra na ausência de fiscalização efetiva sobre os contratos artísticos e os rendimentos obtidos por menores. A jurisprudência nacional já enfrentou casos semelhantes, como nos julgados do STJ que discutem a responsabilidade civil dos pais em situações de abuso de representação patrimonial dos filhos (REsp 1.149.314/SP).

Se aprovado, o PL 4.919/2023 tornará obrigatória a autorização judicial para a celebração de contratos envolvendo menores artistas e determinará que ao menos 20% dos ganhos sejam depositados em conta vinculada, com movimentação apenas mediante ordem judicial. A medida, além de inspirada em modelos internacionais como o Coogan Act da Califórnia (EUA), representa um avanço na doutrina da proteção integral e no combate à exploração econômica familiar.

⚖️ O que propõe a “Lei Larissa Manoela”?

O Projeto de Lei 4.919/2023 tramita no Congresso e busca proteger os rendimentos de menores artistas. A proposta inclui a criação de uma conta judicial vinculada, com movimentação condicionada à autorização de um juiz.

Pelo menos 20% dos ganhos deverão ser bloqueados para uso apenas na maioridade ou mediante decisão fundamentada.

🧒 E como é a lei hoje?

O Estatuto da Criança e do Adolescente protege a imagem, o desenvolvimento e a dignidade de menores. Contudo, não há regra expressa sobre o controle do dinheiro arrecadado em contratos publicitários ou artísticos.

Na prática, os pais gerenciam todos os valores, muitas vezes sem prestação de contas ou controle judicial.

📚 O que diz a jurisprudência?

O STJ já reconheceu, em precedentes relevantes, a responsabilidade civil dos pais por má gestão do patrimônio de filhos menores.

O caso REsp 1911030/PR discutiu exatamente isso: quando pais usam indevidamente bens sob sua guarda, podem responder civilmente.

A Corte afirmou que a separação dos pais não exime nenhum deles do dever de cuidado e orientação, especialmente quando o poder familiar é exercido de forma conjunta. Assim, o fato de o menor não residir com um dos genitores não configura, por si só, excludente de responsabilidade civil.

No voto do Ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, destacou-se que ambos os pais são responsáveis solidários pelos danos causados por filhos menores, desde que exerçam o poder familiar. A decisão firmou que não existe norma legal que exclua automaticamente o genitor da responsabilidade apenas por não deter a guarda.

Complementando essa posição, o Enunciado 450 da V Jornada de Direito Civil afirma que a responsabilidade dos pais é objetiva e solidária, ainda que separados, salvo direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores.

Esse entendimento reforça a necessidade de regras claras e controle judicial sobre a administração do patrimônio de menores, especialmente no caso de artistas mirins, como defende o projeto da “Lei Larissa Manoela”. A jurisprudência, portanto, sustenta o avanço legislativo na direção de uma proteção efetiva da infância e juventude.

Mesmo com decisões judiciais importantes, ainda há insegurança jurídica por falta de regra clara no plano legislativo.

Lei Larissa Manoela e o Direito Comparado

O projeto de lei, ao exigir autorização judicial para contratos e bloquear parte dos rendimentos dos menores, alinha-se a tendências já consolidadas no direito comparado, como a Coogan Law nos Estados Unidos, e normas específicas adotadas em países como França, Reino Unido e Canadá. Essas legislações visam resguardar o futuro financeiro de crianças artistas, limitando o acesso irrestrito dos responsáveis legais ao patrimônio gerado pelo trabalho infantil artístico. A discussão no Brasil, portanto, se insere em um movimento internacional de fortalecimento da doutrina da proteção integral da criança e do adolescente.

1. A Coogan Law – Califórnia, EUA

Criada em 1939, essa lei foi motivada pelo caso do ator mirim Jackie Coogan, estrela de filmes com Charlie Chaplin. Quando atingiu a maioridade, Coogan descobriu que seus pais haviam gasto quase todo seu patrimônio. O escândalo deu origem à “Coogan Act”, oficialmente chamada California Child Actor’s Bill.

Principais pontos da Coogan Law:

  • Estabelece que 15% dos rendimentos do menor artista devem ser depositados em uma conta fiduciária (chamada Coogan Account), inacessível aos pais.

  • A conta só pode ser movimentada quando o menor atingir a maioridade ou mediante autorização judicial.

  • Determina que todos os contratos envolvendo crianças no meio artístico precisam de aprovação de um juiz e supervisão do Labor Commissioner.

A lei já passou por diversas atualizações, sendo adotada também por outros estados norte-americanos, como Nova York e Louisiana, com variações no percentual e nos requisitos de supervisão.


2. Outros países com proteção semelhante

Reino Unido

  • Artistas mirins precisam de licença especial de trabalho infantil, emitida por autoridades locais.

  • Exige-se um responsável legal e supervisão estrita do horário de trabalho e escolarização.

  • Ainda que não haja uma “Coogan Law” específica, os tribunais britânicos admitem trusts ou fundos supervisionados para proteger os ganhos do menor.

Canadá

  • No Quebec, há exigência legal para que uma porcentagem dos rendimentos de artistas infantis seja reservada em fundo específico, gerido por instituições financeiras regulamentadas.

  • O trabalho artístico de menores exige autorização formal do Commission des normes, de l’équité, de la santé et de la sécurité du travail (CNESST).

França

  • O Código do Trabalho francês obriga que os rendimentos de menores trabalhadores (incluindo artistas) sejam depositados em conta bloqueada até a maioridade.

  • Os contratos precisam de autorização da inspeção do trabalho (inspection du travail).

Considerações Finais

O projeto já conta com apoio de entidades do setor cultural e de defensores dos direitos da criança e do adolescente, que veem na proposta uma chance de coibir abusos silenciosos e estruturar uma política pública sólida para jovens talentos. A história de Larissa Manoela, portanto, pode se transformar em um divisor de águas na regulamentação da atividade artística infantojuvenil no Brasil.

Imagem original disponível em Flickr – Agência Senado

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