Introdução
Você sabia que uma decisão coletiva pode não valer para todo o Brasil, mesmo tratando-se de um direito de categoria profissional nacional? O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema 1130 dos recursos repetitivos, trouxe uma resposta definitiva para esse dilema jurídico que atinge servidores públicos e sindicatos em todo o país.
Este artigo faz uma análise detalhada do precedente firmado no Tema 1130, destacando seus impactos práticos, fundamentos jurídicos e a visão doutrinária. Se você é advogado, servidor ou estudante de Direito, entender este tema é essencial para navegar nas complexas relações entre sindicatos e seus representados.
A controvérsia: onde começa e onde termina a eficácia da sentença coletiva com o Tema 1130?
A questão central debatida no Tema 1130 foi definir se a eficácia de um título judicial, oriundo de uma ação coletiva proposta por sindicato estadual, se limita apenas aos membros da categoria profissional que atuem ou tenham domicílio na base territorial da entidade sindical autora.
A tese jurídica firmada pelo STJ foi cristalina:
“A eficácia do título judicial resultante de ação coletiva promovida por sindicato de âmbito estadual está restrita aos integrantes da categoria profissional, filiados ou não, com domicílio necessário (art. 76, parágrafo único, do Código Civil) na base territorial da entidade sindical autora e àqueles em exercício provisório ou em missão em outra localidade.”
Esse posicionamento rompe com a expectativa de que tais sentenças teriam automaticamente eficácia nacional.
Os fundamentos do STJ no julgamento do Tema 1130
A análise dos recursos repetitivos deixou claro que o STJ buscou harmonizar os princípios constitucionais da unicidade sindical e da territorialidade.
O Ministro Relator Afrânio Vilela pontuou:
“A substituição processual deve abranger os membros da categoria situados em cada base territorial, conforme registro sindical.”
O STJ reafirmou o entendimento de que o sindicato tem ampla legitimação para defender judicialmente os interesses da categoria (art. 8º, III, da CF/88), mas condicionou o alcance dos efeitos da sentença à base territorial do sindicato autor da demanda.
Outro ponto destacado foi a interpretação conjunta com a Súmula 629 do STF, que assegura a substituição processual sem necessidade de autorização dos substituídos.
O caso concreto: servidores de Alagoas e uma ação no Rio de Janeiro
Os autos dos recursos, que envolviam servidores de Alagoas tentando executar sentença oriunda de ação proposta pelo SINTRASEF/RJ, ilustram bem o conflito. O TRF da 5ª Região e, posteriormente, o STJ entenderam pela ilegitimidade ativa dos exequentes, uma vez que estavam fora da base territorial do sindicato.
Como descrito no voto do Ministro Afrânio Vilela:
“Somente os profissionais da categoria que exerciam seu labor naquela localidade seriam legitimados para executar o julgado coletivo.”
Doutrina: unicidade e limites geográficos
Na doutrina, a questão da substituição processual é amplamente debatida. Cassio Scarpinella Bueno, em sua obra sobre Processo Coletivo, destaca que “a eficácia subjetiva da sentença coletiva deve ser analisada à luz da base representativa da entidade que a propõe”.
A doutrina majoritária converge com o entendimento do STJ de que a unicidade sindical (art. 8º, II, CF) impede que sindicatos estaduais atuem em benefício de trabalhadores de outras bases territoriais, salvo em casos excepcionais previstos em lei.
Além disso, Fredie Didier Jr., ao tratar da coisa julgada nas ações coletivas, lembra que “a delimitação territorial da sentença coletiva não decorre apenas de critérios jurisdicionais, mas sim da própria representatividade da parte autora”.
Divergências e debates sobre o Tema 1130
Apesar da uniformização do entendimento pelo STJ, algumas entidades, como a CONDSEF e a FENADSEF, argumentaram nos autos pela possibilidade de extensão nacional dos efeitos das sentenças, especialmente considerando a ausência de representação nacional em diversas situações práticas.
Contudo, prevaleceu o princípio da territorialidade sindical.
Efeitos práticos da decisão do STJ
A decisão gera consequências diretas para sindicatos estaduais e servidores públicos que buscam executar sentenças de ações civis públicas. Servidores lotados fora da base sindical autora precisarão, obrigatoriamente, buscar suas respectivas entidades de classe locais para ações coletivas ou individuais.
Essa limitação busca evitar o fenômeno do “forum shopping” e a pulverização de execuções fora da competência do sindicato originário.
O que diz o STF?
O STF, em diversos precedentes, reforçou que a substituição processual pelo sindicato não depende de autorização dos substituídos e não se limita à lista de filiados. Porém, o Supremo também reconhece que a eficácia das decisões coletivas deve respeitar a base territorial sindical, alinhando-se à decisão do STJ no Tema 1130.
Jurisprudência destacada: como o STJ consolidou o entendimento no Tema 1130?
Ao analisar as decisões repetitivas vinculadas ao Tema 1130, o STJ enfatizou que, para sindicatos de base estadual, os efeitos da sentença coletiva se limitam aos substituídos dentro da área de atuação da entidade. Veja um trecho relevante da ementa do REsp 1.968.286/AL:
“Os efeitos de uma decisão judicial […] abrangerão apenas os integrantes da categoria profissional localizados na base territorial da entidade sindical autora, salvo se a entidade sindical possuir representação nacional.”
Outro ponto importante citado no acórdão foi o risco de “escolha estratégica” de foros mais favoráveis, conhecido como forum shopping. O STJ entendeu que limitar a eficácia territorial preserva a ordem jurídica e o equilíbrio federativo.
Exemplos práticos: o que muda no dia a dia dos sindicatos e servidores?
Exemplo 1: Sindicato estadual X sindicato nacional
Imagine um sindicato estadual do Rio de Janeiro (como o SINTRASEF/RJ) que ajuíza uma ação coletiva e obtém uma sentença favorável reconhecendo o direito a uma gratificação. Um servidor federal da Bahia, pertencente à mesma categoria, mas domiciliado em Salvador, não poderá executar essa sentença. Para tanto, deverá ingressar em ação coletiva do sindicato de sua base territorial ou promover ação individual.
Já no caso de um sindicato com abrangência nacional, como a CONDSEF, a sentença coletiva teria efeito sobre servidores de todo o território brasileiro, sem restrição territorial.
Exemplo 2: lotação provisória
Outro cenário abordado foi o do servidor que, embora tenha domicílio fora da base territorial, está em exercício provisório ou missão oficial na área abrangida pelo sindicato autor. Nestes casos, segundo o STJ, a eficácia da sentença coletiva também poderá alcançá-lo.
Como evitar problemas na execução da sentença?
O advogado que representa servidores públicos ou sindicatos precisa estar atento a duas questões fundamentais:
- Domicílio necessário: O servidor deve comprovar que tem domicílio necessário ou está em exercício provisório na base territorial do sindicato autor da ação coletiva.
- Certidão sindical: Verificar qual a base territorial informada no estatuto da entidade sindical que moveu a ação coletiva.
Com base nesses critérios, será possível saber se a execução individual da sentença é viável ou não.
Impactos para a advocacia sindical
Do ponto de vista da advocacia sindical, o Tema 1130 exige uma readequação das estratégias de litígios coletivos. Advogados que atuam em sindicatos de base estadual deverão orientar sua categoria sobre a limitação geográfica da substituição processual, evitando frustrações em execuções individuais fora da área de atuação.
Além disso, sindicatos nacionais passam a ter um diferencial competitivo para abarcar interesses em nível nacional, desde que sua representatividade o permita.
Doutrina crítica: há espaço para flexibilização?
Embora a decisão do STJ tenha trazido segurança jurídica, parte da doutrina apresenta críticas quanto à rigidez do critério territorial. Alguns juristas argumentam que, em tempos de mobilidade intensa de servidores e flexibilização do conceito de domicílio (sobretudo com o trabalho remoto e missões em outros estados), limitar a eficácia pode gerar barreiras ao acesso à justiça.
Autores como Hugo Nigro Mazzilli alertam que “a busca pela eficiência da tutela coletiva não deve ser sacrificada por formalismos territoriais excessivos”, especialmente quando a lesão transborda os limites regionais.
Conexão com o princípio da eficiência e acesso à justiça
O STJ ponderou que a limitação territorial não fere o princípio do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF), uma vez que os servidores sempre poderão acionar a justiça por meio de seus sindicatos locais ou individualmente. No entanto, essa exigência de redistribuição da tutela pode, segundo alguns doutrinadores, causar fragmentação da demanda e sobrecarga do Judiciário.
Conclusão: segurança jurídica e desafios futuros
A decisão do Tema 1130 fortalece a unicidade sindical e preserva o equilíbrio federativo, mas também reacende discussões sobre a modernização da tutela coletiva e a adequação do modelo sindical brasileiro à realidade atual dos servidores públicos federais.
Fato é que, a partir deste precedente vinculante, advogados, sindicatos e servidores precisarão atuar com estratégia e atenção redobrada às bases territoriais das entidades autoras das ações coletivas.
Considerações finais
O Tema 1130 representa um marco na delimitação da eficácia subjetiva das sentenças coletivas propostas por sindicatos estaduais. A partir de agora, sindicatos e servidores precisam estar atentos às fronteiras territoriais de sua representação para evitar frustrações na execução de direitos reconhecidos em juízo.
Para maiores informações, acesse o link do Tema 1130 aqui.
O STJ acertadamente reforça o equilíbrio entre a ampla substituição processual e o respeito ao modelo sindical brasileiro, assegurando segurança jurídica e evitando conflitos entre bases sindicais distintas.
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