O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema 1134 dos recursos repetitivos, trouxe uma importante e aguardada definição sobre a responsabilidade tributária em arrematações judiciais. A decisão, com repercussões diretas sobre o mercado de leilões judiciais e o Direito Tributário, sedimentou uma tese essencial para profissionais da advocacia e investidores em ativos judiciais.
O contexto do Tema 1134: a controvérsia
O debate gira em torno da validade ou não de cláusulas em editais de leilão que transferem ao arrematante a responsabilidade pelo pagamento de tributos (como o IPTU) incidentes sobre o imóvel antes da arrematação. A prática, comum em muitos tribunais e editais judiciais, estabelecia essa obrigação ao adquirente, mesmo havendo previsão legal específica em sentido contrário no Código Tributário Nacional (CTN).
O artigo 130, parágrafo único, do CTN, dispõe que, nas arrematações realizadas em hasta pública, o crédito tributário sub-roga-se no preço da arrematação, isentando o arrematante de qualquer responsabilidade pelos débitos anteriores.
A posição do STJ e a tese fixada
Nos julgados que compõem o Tema 1134, como os Recursos Especiais nº 1.961.835/SP, nº 1.944.757/SP e nº 1.914.902/SP, todos sob relatoria do Ministro Teodoro Silva Santos, a Primeira Seção do STJ definiu, de maneira unânime, que não há responsabilidade do arrematante pelos débitos tributários anteriores à arrematação. Segundo o Tribunal, é inválida qualquer disposição em edital de leilão que imponha ao arrematante o pagamento desses débitos.
Pontos-chave da decisão:
Norma cogente do CTN
O artigo 130, § único, do CTN, ao estabelecer a sub-rogação no preço ofertado, constitui norma geral de Direito Tributário de natureza cogente, não sujeita a flexibilizações por atos infralegais ou cláusulas contratuais, como os editais de hasta pública.Reserva de Lei Complementar
O STJ destacou que qualquer alteração na responsabilidade tributária só poderia ser feita por lei complementar, nos termos do artigo 146, III, “b” da CF/88. Logo, uma simples cláusula editalícia, prevista em norma de natureza processual (como o art. 886, VI, do CPC/2015), não pode modificar o sujeito passivo da obrigação tributária.Aquisição originária da propriedade
A Corte reforçou a distinção entre a aquisição derivada (alienação comum) e a aquisição originária (alienação judicial). No leilão judicial, o arrematante adquire o imóvel “livre de ônus tributários” anteriores, pois inexiste vínculo jurídico entre ele e o fato gerador do tributo não quitado.Vedação à autonomia da vontade para modificar a sujeição passiva
Mesmo que o arrematante tenha ciência ou aceite os termos do edital, isso não supre a exigência legal. O art. 123 do CTN impede que convenções particulares modifiquem a definição legal do sujeito passivo da obrigação tributária.
Trechos emblemáticos do voto do relator no Tema 1134
O Ministro Teodoro Silva Santos asseverou:
“A prévia ciência e a eventual concordância, expressa ou tácita, do arrematante, em assumir o ônus das exações que incidam sobre o imóvel não têm aptidão para configurar renúncia à aplicação do parágrafo único do art. 130 do CTN”.
E conclui:
“É vedado exigir do arrematante, com base em previsão editalícia, o recolhimento dos créditos tributários incidentes sobre o bem arrematado cujos fatos geradores sejam anteriores à arrematação”.
Doutrina em sintonia com o STJ
A doutrina majoritária sempre apontou para a invalidade de cláusulas que impõem ao arrematante responsabilidade por débitos preexistentes. Hugo de Brito Machado, por exemplo, já ensinava:
“Se o bem imóvel é arrematado em hasta pública, vinculado ficará o respectivo preço. Não o bem. O arrematante não é responsável tributário”.
Aliomar Baleeiro também alertava que, em leilão judicial, “o arrematante escapa ao rigor do art. 130, porque a sub-rogação se dá sobre o preço por ele depositado”.
Modulação dos efeitos
Em atenção à segurança jurídica, o STJ modulou os efeitos da decisão. A tese firmada se aplica:
Aos leilões cujos editais sejam publicizados após a publicação da ata de julgamento do tema repetitivo;
E, de forma imediata, aos processos judiciais e administrativos pendentes de julgamento até a data da decisão.
Como a tese do Tema 1134 impacta investidores e advogados: oportunidades e cuidados
1. Segurança jurídica e valorização de ativos leiloados
Para quem atua na aquisição de imóveis em leilões judiciais, a tese firmada pelo STJ é um divisor de águas. A antiga insegurança quanto à responsabilização por dívidas fiscais preexistentes afastava muitos investidores do mercado de arrematações. Agora, com a garantia de que essas dívidas sub-rogam-se no preço da arrematação, investidores podem adquirir imóveis com maior previsibilidade de custos e sem o temor de serem surpreendidos por cobranças de IPTU acumuladas.
2. Efeito positivo nos lances e liquidez dos leilões
O mercado de leilões tende a ganhar fôlego, com aumento no número de participantes e, consequentemente, de lances. A valorização desses ativos é uma tendência natural, pois os imóveis judicialmente leiloados passam a ser vistos como ativos menos arriscados.
3. Oportunidade para advogados especializados
Advogados que atuam com direito imobiliário, tributário ou recuperação de ativos têm, agora, a chance de assessorar arrematantes de forma mais estratégica. Com a tese do STJ, é possível revisar editais de leilão e, quando houver cláusulas abusivas transferindo responsabilidade tributária, impugnar judicialmente tais previsões — inclusive requerendo restituição de valores pagos indevidamente.
Há também demanda crescente por consultoria jurídica preventiva, sobretudo para empresas que atuam com leilões e fundos de investimentos imobiliários (FIIs), que agora buscam segurança jurídica antes de formular lances.
4. Cautela: modulação dos efeitos e editais anteriores
Importante destacar que a decisão do STJ não se aplica automaticamente a todos os leilões passados. A modulação definiu que a tese vale apenas para editais publicizados após a publicação da ata de julgamento do Tema 1134. Entretanto, para ações judiciais ou administrativas em andamento, a aplicação da tese é imediata. Assim, o arrematante que ainda esteja discutindo a cobrança de tributos pode reivindicar o direito à sub-rogação no preço e afastar a cobrança direta contra si.
5. Recuperação de valores pagos indevidamente
Há espaço, também, para a atuação jurídica na recuperação de valores. Muitos arrematantes pagaram, sob coerção, débitos de IPTU e taxas anteriores à arrematação. Com a tese vinculante, pode-se ajuizar ações de repetição de indébito tributário, buscando o ressarcimento dos valores pagos indevidamente, inclusive com correção monetária e juros.
Considerações finais do Tema 1134: um novo cenário para o mercado de leilões
Com a definição do Tema 1134, encerra-se um relevante debate entre a autonomia administrativa dos Tribunais para definir cláusulas editalícias e a hierarquia das normas de Direito Tributário. O mercado de leilões judiciais se torna mais atrativo e menos arriscado.
A decisão do STJ reforça a supremacia do CTN sobre atos administrativos, preservando os arrematantes de serem responsabilizados por dívidas fiscais pretéritas. A jurisprudência consolidada, agora vinculante, deve ser observada por todos os Tribunais e órgãos públicos ao estruturarem futuros leilões judiciais.
Investidores ganham margem para operar com maior previsibilidade, e advogados se posicionam como peças-chave na proteção dos direitos dos arrematantes. A tese do STJ é uma vitória para a legalidade tributária e para a segurança jurídica, impulsionando um setor que, até então, era envolto em incertezas e cláusulas abusivas.
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