Introdução
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem desempenhado papel central na uniformização da interpretação do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), principalmente em temas de grande relevância para o processo executivo. Um dos mais recentes e discutidos é o Tema 1235, que versa sobre a possibilidade – ou não – de o juiz reconhecer de ofício a impenhorabilidade de valores inferiores a 40 salários mínimos. Com repercussões diretas em execuções fiscais e cíveis, essa controvérsia impacta tanto o Poder Judiciário quanto os credores e devedores.
Neste artigo, destrincharemos as decisões proferidas no âmbito do REsp 2.061.973/PR e do REsp 2.066.882/RS, destacando os argumentos centrais da Ministra Relatora Nancy Andrighi e o posicionamento consolidado pela Corte Especial do STJ. Também faremos o necessário diálogo com a doutrina e apresentaremos reflexões práticas para advogados e operadores do direito.
O que diz o Tema 1235/STJ?
A tese firmada pelo STJ, sob o rito dos recursos repetitivos, dispõe:
“A impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão.”
A controvérsia jurídica: ordem pública ou direito disponível?
A grande questão analisada pelo Tribunal foi se a impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso X, do CPC/2015 – que protege valores até 40 salários mínimos depositados em conta poupança – configuraria uma regra de ordem pública, passível de reconhecimento de ofício pelo juiz.
Até então, havia divergências nas turmas do STJ, especialmente entre as turmas de Direito Público e as da Segunda Seção (Direito Privado), que ora admitiam o reconhecimento de ofício, ora entendiam ser necessária provocação da parte executada.
A posição da Corte Especial no Tema 1235
A Corte Especial, alinhando-se a precedentes já firmados no julgamento dos EAREsp 223.196/RS, reafirmou que a impenhorabilidade de numerário até 40 salários mínimos é uma regra de direito disponível e não de ordem pública. Portanto, não pode ser conhecida de ofício pelo magistrado, devendo ser arguida pelo executado sob pena de preclusão.
Destacou-se na decisão que o CPC/2015 retirou a expressão “absolutamente impenhoráveis” (presente no CPC/1973, art. 649), evidenciando a relatividade da regra.
Análise dos julgados: principais fundamentos do Tema 1235
Nas decisões dos REsp 2.061.973/PR e REsp 2.066.882/RS, a relatora Ministra Nancy Andrighi fundamentou a impossibilidade de atuação de ofício do juiz com base em uma interpretação sistemática dos arts. 833, 854, 525 e 917 do CPC/2015.
Destaques dos julgados:
CPC/2015 e a impenhorabilidade relativa:
” O CPC/2015 não apenas trata a impenhorabilidade como relativa, ao suprimir a palavra “absolutamente” no caput do art. 833, como também regulamenta a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, prevendo que, após a determinação de indisponibilidade, incumbe ao executado, no prazo de 5 dias, comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis, cuja consequência para a ausência de manifestação é a conversão da indisponibilidade em penhora (art. 854, § 3º, I, e § 5º), restando, para o executado, apenas o manejo de impugnação ao cumprimento de sentença ou de embargos à execução (arts. 525, IV, e 917, II). (REsp 2.061.973/RS).
Ônus do executado:
“Incumbe ao executado, no prazo de 5 dias, comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis” (art. 854, § 3º, I, do CPC).
Preclusão:
“ deve prevalecer nesta Corte o entendimento de que a impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC/2015 não é matéria de ordem pública e deve ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão, seja em homenagem à segurança jurídica, seja por representar o entendimento mais adequado à luz da interpretação sistemática dos arts. 833, 854, §§ 1º, 3º, I, e § 5º, 525, IV, e 917, II, do CPC/2015.”
Disponibilidade patrimonial:
“A impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC consiste em regra de direito disponível do executado, sem natureza de ordem pública, pois pode o devedor livremente dispor dos valores poupados em suas contas bancárias, inclusive para pagar a dívida objeto da execução, renunciando à impenhorabilidade.”
Além disso, o STJ reforçou que o legislador só autoriza a atuação de ofício do juiz em hipóteses expressas, como ocorre no §1º do art. 854, que permite ao magistrado cancelar indisponibilidades que excedam o valor da execução.
Doutrina: o que dizem os estudiosos?
Fredie Didier Jr. e Araken de Assis foram referências citadas no julgamento e consolidam o entendimento de que a impenhorabilidade de valores até 40 salários mínimos deve ser alegada pelo executado e não reconhecida ex officio.
Didier Jr.:
“A impenhorabilidade é um direito do executado, que pode ser renunciado se o bem impenhorável for disponível. Se a impenhorabilidade é disponível, não pode ser considerada como regra de ordem pública” (Curso de Direito Processual Civil: Execução, 2023, p. 867).
Araken de Assis:
“Só ao executado cabe alegar a impenhorabilidade, na primeira oportunidade, sob pena de preclusão” (Manual da Execução, 21. ed., p. RB-4.15).
Ambos os doutrinadores convergem com a jurisprudência fixada pela Corte Especial, apontando que a regra prevista no art. 833, X, do CPC/2015 deve ser entendida como uma faculdade da parte executada e não uma proteção que o Judiciário possa impor de ofício.
Aplicação prática: o que muda para advogados e magistrados?
Essa tese afeta diretamente as estratégias de atuação em execuções fiscais e cíveis:
Para credores: Reforça-se a legitimidade das penhoras de valores bloqueados via SISBAJUD, mesmo quando inferiores a 40 salários mínimos, desde que não haja impugnação do executado no prazo legal.
Para devedores: A decisão obriga o executado a ficar atento ao prazo de 5 dias para alegar a impenhorabilidade logo após o bloqueio, sob risco de perder o direito.
Para juízes: Fica vedada a atuação de ofício para liberar valores bloqueados sem provocação do executado.
Conexão com o princípio da segurança jurídica
Outro ponto importante destacado nas decisões é a busca pela segurança jurídica e celeridade processual. Permitir que o juiz reconheça de ofício essa impenhorabilidade poderia gerar instabilidade e prolongar discussões sobre penhoras já efetivadas, em desacordo com os princípios que norteiam o processo executivo.
A decisão da Corte Especial reforça a estabilidade ao limitar o reconhecimento da impenhorabilidade ao exercício efetivo do contraditório pelo executado.
Conclusão
O julgamento do Tema 1235/STJ oferece um marco importante na interpretação do art. 833, X, do CPC/2015, trazendo previsibilidade para credores, devedores e magistrados. Em um cenário de crescente volume de execuções fiscais e cíveis, a tese firmada contribui para a racionalização dos atos executivos e reforça o caráter dispositivo da impenhorabilidade relativa.
O operador do direito, atento a essa jurisprudência, poderá traçar estratégias mais eficientes, seja na defesa do executado, seja na persecução de crédito pelo exequente.
Para mais informações sobre o julgado, acesse aqui.
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