Introdução
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, de forma contundente, sua missão de Corte Nacional de uniformização do direito infraconstitucional ao julgar o Tema 1246 dos recursos repetitivos. A decisão tem impacto direto e profundo nas ações previdenciárias que discutem benefícios por incapacidade, como aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente. Neste artigo, vamos desvendar as nuances dessa tese vinculante, analisando as decisões paradigmáticas do STJ, contextualizando com a doutrina e apresentando os principais reflexos práticos para operadores do Direito e segurados do INSS.
O que decidiu o STJ no Tema 1246?
A Primeira Seção do STJ, em decisão unânime, fixou a seguinte tese vinculante no julgamento do Tema 1246:
“É inadmissível recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento, em caso concreto em que se controverte quanto a benefício por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente), do requisito legal da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laborativa, seja pela vertente de sua existência, de sua extensão (total ou parcial) e/ou de sua duração (temporária ou permanente).”
Na prática, o STJ sedimentou que o exame do preenchimento da incapacidade no processo previdenciário é matéria eminentemente fática, que se exaure nas instâncias ordinárias. O tribunal superior não reanalisará provas periciais ou documentos clínicos que sustentaram a decisão do Tribunal Regional Federal ou do Tribunal de Justiça. Trata-se de aplicação direta da conhecida Súmula 7/STJ.
Análise das decisões paradigmáticas
O caso paradigma que originou o Tema 1246 envolveu Maria Eva da Silva, que pretendia reverter decisão do TRF da 3ª Região que negou o benefício por incapacidade. O laudo pericial nos autos afastou a inaptidão laboral, e o tribunal local entendeu que não cabia nova perícia, tampouco havia elementos para infirmar a prova técnica.
O Ministro Paulo Sérgio Domingues destacou que a controvérsia não se limita a uma discussão abstrata sobre a admissibilidade de recursos especiais. Trata-se de um recorte específico: “apenas dos recursos cujo objeto esteja, ab initio, circunscrito pelos contornos postos à controvérsia pela relação jurídica de base, de direito material previdenciário”1246.2.
Ao reafirmar a competência da Primeira Seção, o relator lembrou que, embora o debate tenha feição processual (admissibilidade recursal), sua raiz material repousa no direito previdenciário, já que versa sobre benefícios por incapacidade.
Em outro caso paradigmático, o INSS pleiteava reformar decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia concedido aposentadoria por invalidez acidentária a um segurado. O ponto central era a extensão da incapacidade: o INSS alegava que o laudo atestava incapacidade parcial, e não total, o que afastaria a concessão do benefício. O STJ reafirmou, nesse caso, que revisar esse ponto demandaria o revolvimento do acervo probatório — medida vedada na via estreita do recurso especial1246.1.
Doutrina: o papel das instâncias ordinárias e o limite do STJ
A doutrina processual há tempos adverte sobre a função precípua do STJ: uniformizar a interpretação do direito infraconstitucional, e não revisar fatos e provas. Fredie Didier Jr. explica que “o Superior Tribunal de Justiça não é, e nunca foi, uma instância recursal para reexame de provas, mas uma corte de precedentes e de interpretação jurídica” (Curso de Direito Processual Civil, vol. 3).
No mesmo sentido, Marinoni, Arenhart e Mitidiero ressaltam que “a filtragem pelo STJ deve impedir a transformação da Corte em tribunal de revisão fática, o que seria contrário à lógica do sistema recursal brasileiro” (Manual do Processo de Conhecimento).
A jurisprudência citada pelos Ministros no Tema 1246 evidencia a aplicação prática dessa doutrina. Desde 2019, o STJ já havia julgado mais de 300 recursos que tentavam discutir o mérito da incapacidade no especial. Em todos os casos, o desfecho foi o mesmo: inadmissibilidade em razão da Súmula 7/STJ1246.21246.1.
Racionalização processual e segurança jurídica
O Tema 1246 insere-se no contexto de aprimoramento da racionalização processual. O STJ destacou a necessidade de limitar o uso do recurso especial para hipóteses em que a questão jurídica apresente relevância nacional ou potencial de distinção relevante.
Ao invés de sobrecarregar a Corte com recursos que apenas questionam conclusões probatórias, a decisão incentiva que as instâncias ordinárias assumam, com segurança, o papel de encerramento dessas discussões. O Ministro Paulo Sérgio Domingues salientou que “é à formação dos precedentes paradigmáticos que deve se ocupar o STJ, e não à replicação, ele próprio, de entendimentos já consolidados”1246.2.
Reflexos práticos para advogados e segurados com o Tema 1246
Para advogados previdenciaristas:
A atuação estratégica passa a demandar maior robustez nas fases de instrução e apelação, onde reside a última oportunidade de influenciar o convencimento judicial sobre a incapacidade.
Recorrer ao STJ, nesses casos, sem uma tese jurídica relevante ou distinção fática concreta será inócuo.
Para segurados do INSS:
O reconhecimento judicial da incapacidade para fins de concessão de benefícios torna-se, definitivamente, uma decisão que se encerra nas instâncias ordinárias.
A judicialização sem êxito na origem terá poucas chances de reversão na via especial.
Comparação com outros temas previdenciários no STJ
Esse movimento do STJ no Tema 1246 é compatível com o que foi decidido, por exemplo, no Tema 692, que tratou da devolução de valores pagos a título de tutela antecipada posteriormente revogada. Também nesse precedente houve a aplicação da Súmula 7/STJ para afastar reexame de fatos.
Outro paralelo interessante é com o Tema 905, que trata da fixação dos índices de correção monetária e juros moratórios nas condenações contra a Fazenda Pública. Embora envolva direito material de natureza previdenciária, a Corte, na ocasião, fixou tese vinculante em sede de repetitivo para uniformizar o direito e mitigar a insegurança jurídica.
Considerações finais
O julgamento do Tema 1246 pelo STJ é emblemático e didático. Consolida a jurisprudência sobre o alcance da Súmula 7 em causas previdenciárias e orienta advogados e partes a ajustarem suas expectativas no manejo de recursos especiais.
Além disso, ao se posicionar como verdadeira Corte de precedentes e não como instância revisional, o STJ reafirma seu papel no sistema processual brasileiro, garantindo celeridade e previsibilidade às demandas de benefícios por incapacidade.
Para mais informações sobre o julgado, acesse aqui.
Siga. Reflita. Compartilhe.
Para análises jurídicas com profundidade e um toque de leveza irônica, acompanhe:
Instagram
Tribuna.Jus: @tribuna.jus
Café com Deusa Themis: @cafecomdeusathemis
Threads
Tribuna.Jus: @tribuna.jus
Café com Deusa Themis: @cafecomdeusathemis
X (antigo Twitter)
Tribuna.Jus: @Tribuna_Jus