Tema 1068 do STF – Execução imediata após Júri é constitucional

tribunal do júri e execução da pena

Introdução

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.235.340 de Santa Catarina, Tema 1068, firmou entendimento relevante sobre a possibilidade de execução imediata da pena após condenação pelo Tribunal do Júri. O tema, de repercussão geral reconhecida, trata da tensão entre a soberania dos veredictos do Júri e a presunção de inocência prevista na Constituição Federal.

A controvérsia e a tese fixada no Tema 1068

A discussão central girou em torno da seguinte questão: pode a pena imposta pelo Tribunal do Júri ser executada imediatamente, antes do trânsito em julgado, em face da soberania dos veredictos?

O STF, por maioria, fixou a tese da repercussão geral afirmando que:

“É constitucional a execução imediata da pena imposta pelo Tribunal do Júri, após condenação do réu por crime doloso contra a vida.”

Essa decisão contraria o entendimento anterior consolidado no HC 126.292 e na ADC 43, que vedavam a execução provisória da pena sem o trânsito em julgado da condenação, reafirmando o princípio da presunção de inocência do art. 5º, LVII, da Constituição.

Análise da decisão do STF no Tema 1068

✅ Fundamentos Jurídicos do Voto Vencedor (Min. Luís Roberto Barroso)

O voto do relator, Ministro Luís Roberto Barroso, que prevaleceu no julgamento, apoiou-se em três pilares principais:

1. Soberania dos veredictos do Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, da CF)

O Ministro defende que a soberania dos veredictos do Júri deve prevalecer sobre a presunção de inocência em casos de condenação por crimes dolosos contra a vida, proferida por decisão do Tribunal Popular. A execução da pena, segundo ele, é consequência natural da autoridade dessa decisão.

📝 Trecho central:

“O conceito e a origem do Júri estão diretamente relacionados com a noção de participação popular na administração da Justiça. O texto originário da Constituição Federal de 1988 fez a opção política de fixar  Tribunal do Júri a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, assegurada a soberania dos seus veredictos. Soberania que concede ao Júri, portanto, a prerrogativa da última palavra sobre a procedência ou não da pretensão punitiva. De modo que não faria o menor sentido a Constituição atribuir ao Júri o exercício de tão nobre e distinto poder – julgar soberanamente os crimes dolosos contra a vida –, caso o seu veredicto pudesse ser livremente modificado pelos tribunais de segundo grau”

2. Efetividade da jurisdição penal

Barroso sustenta que a execução imediata da pena em casos de crimes gravíssimos é uma medida que responde à morosidade da Justiça e à sensação de impunidade. O relator cita exemplos de casos emblemáticos de homicídio em que os condenados continuam soltos por longos anos após a sentença do Júri.

🧱 Argumento: A pena não pode ser uma promessa de justiça adiada indefinidamente.

3. Compatibilidade com a jurisprudência recente do STF

Embora o STF tenha decidido na ADC 43 contra a execução antecipada da pena após condenação em 2ª instância, Barroso sustenta que a situação do Tribunal do Júri é excepcional, por envolver a soberania popular e crimes contra a vida — valores constitucionais de hierarquia elevada.


⚖️ Fundamentos da Divergência (Min. Ricardo Lewandowski)

A divergência, encabeçada pelo Ministro Lewandowski, rejeita a possibilidade de execução da pena antes do trânsito em julgado, mesmo após julgamento pelo Júri. Seus fundamentos centrais são:

1. Presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF)

Para o Ministro, a Constituição é explícita: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A soberania do Júri não afasta esse princípio, que é cláusula pétrea e de aplicação irrestrita.

📍 Trecho importante:

“Vale dizer, a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri não pode ser equiparada à summa potestas do Estado, ao poder incontrastável do povo de moldar o seu destino. A sua acepção é bem mais modesta. A expressão empregada pelos constituintes em um sentido bem mais limitado, significa apenas que os cidadãos que o integram julgam com independência, segundo os ditames das respectivas consciências, exclusivamente à luz dos fatos que lhes são submetidos.”

2. Risco de irreversibilidade e injustiças

Lewandowski ressalta que permitir a execução imediata pode gerar prisões indevidas, especialmente em um sistema penal marcado por falhas, seletividade e desigualdade social.

3. Jurisprudência consolidada nas ADCs 43, 44 e 54

O Ministro reforça que a jurisprudência do STF já havia proibido a execução da pena antes do trânsito em julgado, e que não caberia relativizar esse entendimento sob qualquer argumento — nem mesmo em nome da soberania dos veredictos.


⚖️ Principais fundamentos do voto de Gilmar Mendes:


1. Presunção de Inocência como Cláusula Pétrea

O Ministro enfatizou que o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, o que impede a execução provisória da pena. Para ele, essa garantia não comporta exceções não previstas expressamente na Constituição.

🗣️ “A redação do dispositivo não deixa dúvidas: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A norma constitucional claramente delimita a situação de sua própria aplicação. A norma contem inequívoca determinação acerca do que é fática e juridicamente possível: enquanto não houver sentença penal condenatória, réu algum pode ser tratado como culpado. Definitivamente, não se trata, portanto, de um mandamento de otimização.”


2. Risco de arbitrariedade e desvio institucional

Gilmar Mendes criticou duramente o que chamou de “normalização da prisão automática”, advertindo que isso abre caminho para abusos, encarceramento em massa e agravamento das distorções do sistema penal, sobretudo contra os mais pobres e vulneráveis.

📌 “Sem dúvidas, o sistema de julgamento por jurados não é isento de críticas, especialmente tendo em vista a ausência de fundamentação do veredicto e os padrões de perfis na seleção dos jurados. Contudo, pode-se dizer que, em certos aspectos, as fragilidades dos juízes leigos são semelhantes às dos julgadores togados. ”


3. Incoerência com o precedente da ADC 43

O Ministro relembrou que o próprio STF, ao julgar a ADC 43 (que proibiu a execução da pena após condenação em 2ª instância), fixou entendimento firme sobre a necessidade de trânsito em julgado, o que deveria ser respeitado mesmo diante da soberania do Júri.

🧾 “Nesse contexto, não há qualquer motivo legítimo para que tal precedente não se aplique aos casos julgados por jurados. Permitir a execução imediata da condenação proferida em primeiro grau pelos jurados é ainda mais gravoso do que a posição reformada pelo Plenário no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, caracterizando evidente violação da norma da presunção de não culpabilidade.”


4. Função simbólica e popular do Júri não afasta garantias fundamentais

Embora reconheça o valor democrático da instituição do Júri, o Ministro ressaltou que suas decisões estão sujeitas à revisão judicial, e não se sobrepõem ao núcleo duro de direitos fundamentais.

🧩 Conflito de princípios constitucionais no Tema 1068

A decisão ilustra um conflito interpretativo entre dois princípios constitucionais:

PrincípioDefendido porFundamento
Presunção de Inocência (art. 5º, LVII)Divergência (Lewandowski e outros)Garantia do devido processo legal
Soberania dos veredictos do Júri (art. 5º, XXXVIII)Voto vencedor (Barroso e maioria)Autoridade da decisão popular em crimes contra a vida

O voto condutor, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, destacou que a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri é uma garantia constitucional (art. 5º, XXXVIII, da CF) que autoriza a execução imediata da condenação. O relator argumentou que a proteção da vida e da dignidade humana demanda efetividade da decisão popular, não podendo o condenado por crime doloso contra a vida aguardar em liberdade o esgotamento de todos os recursos possíveis.

Conclusão do julgamento

Por maioria, o Plenário do STF deu provimento ao recurso do Ministério Público de Santa Catarina, reconhecendo a possibilidade de execução imediata da pena, consolidando uma mudança relevante no entendimento do STF sobre o tema.

Paralelo com a doutrina

Direito Penal e Processual Penal

Conforme leciona Cezar Roberto Bitencourt, a presunção de inocência “é uma das mais sólidas garantias fundamentais, sendo inadmissível a execução da pena sem trânsito em julgado da condenação, salvo em hipóteses legalmente previstas”​. No entanto, a doutrina reconhece que a soberania do Júri é um princípio com status constitucional, o que pode justificar, em situações específicas, o afastamento da regra geral.

Guilherme de Souza Nucci, ao comentar o art. 492, § 4º, do CPP (após reforma de 2019), destaca:

A execução provisória das penas impostas pelo Júri, autorizada no caso de penas superiores a 15 anos, coaduna-se com a soberania dos veredictos e atende à necessidade de efetividade da tutela penal em crimes de extrema gravidade.

Portanto, a doutrina moderna, em parte, acolhe o entendimento do STF, desde que a execução imediata esteja amparada em balizas legais e constitucionais, resguardando-se sempre o contraditório e a ampla defesa.

Impacto prático e efeitos da decisão

A decisão do STF tem repercussões práticas significativas, especialmente no combate à impunidade em crimes dolosos contra a vida. Ao autorizar a execução imediata da pena imposta pelo Júri, mesmo antes do trânsito em julgado, busca-se conferir maior efetividade ao sistema penal e evitar que condenados por crimes graves permaneçam em liberdade por anos devido à interposição de recursos protelatórios.

Por outro lado, o entendimento levanta discussões sobre possíveis violações ao devido processo legal e à presunção de inocência, tema sensível em um Estado Democrático de Direito.

Considerações finais

O Tema 1068 do STF representa um marco na interpretação do equilíbrio entre garantias fundamentais e a efetividade da tutela penal em crimes contra a vida. A decisão sinaliza uma mudança jurisprudencial relevante, aproximando o sistema jurídico brasileiro de modelos que conferem maior celeridade e rigor ao cumprimento de penas impostas pelo Tribunal do Júri.

Para acessar o Tema, clique aqui.

Veja também o Tema 1165 do STJ – Progressão de Regime Prisional – Data-Base

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