Introdução
A pandemia da COVID-19, além de um evento sanitário global sem precedentes, provocou profundas discussões jurídicas acerca das responsabilidades do Estado frente à suspensão ou cancelamento de atos administrativos essenciais, como os concursos públicos. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 1347 da Repercussão Geral (RE 1.455.038/DF), fixou um importante precedente sobre a responsabilização civil do Estado em contextos excepcionais de força maior.
Neste artigo, abordaremos o entendimento firmado pelo STF, os principais argumentos do voto do relator, Ministro Luís Roberto Barroso, e faremos um paralelo com a doutrina de responsabilidade civil, a partir de autores renomados, como Carlos Roberto Gonçalves e Cristiano Chaves de Farias. Além disso, faremos uma análise crítica do impacto deste entendimento para candidatos e para a Administração Pública.
O Caso Concreto e a Fixação da Tese
O caso julgado tratava de uma ação movida por candidato de concurso público contra a Universidade Federal do Paraná (UFPR), em razão do adiamento de uma prova por motivos de biossegurança relacionados à pandemia. O Tribunal de origem (TNU) reconheceu o direito à indenização, mas o STF, ao analisar o Recurso Extraordinário, decidiu de forma diversa.
O Supremo, por unanimidade, conheceu e deu provimento ao recurso da UFPR, fixando a seguinte tese de repercussão geral:
“O adiamento de exame de concurso público por motivo de biossegurança relacionado à pandemia do COVID-19 não impõe ao Estado o dever de indenizar”.
Fundamentação do STF: Previsão Constitucional e Casos de Força Maior
O voto do Ministro Luís Roberto Barroso reafirmou a jurisprudência consolidada no art. 37, §6º da Constituição Federal, que prevê a responsabilidade objetiva do Estado. Contudo, ressaltou que essa responsabilidade pode ser afastada diante de excludentes de ilicitude, como o caso fortuito ou a força maior.
O relator destacou a decisão anterior do STF na ADI 6343-MC, que reconheceu a competência comum dos entes federativos para adoção de medidas restritivas na pandemia, e a ADI 6421-MC, que estabeleceu que condutas administrativas durante a pandemia deveriam observar critérios científicos e de precaução.
Porém, o Supremo entendeu que o adiamento das provas por razões sanitárias, dada a imprevisibilidade e gravidade do contexto pandêmico, enquadra-se em hipótese típica de força maior, afastando, assim, o dever estatal de indenizar.
Diálogo com a Doutrina de Responsabilidade Civil
A doutrina clássica, como bem pontua Carlos Roberto Gonçalves, reconhece o caso fortuito e a força maior como excludentes do nexo causal na responsabilidade civil objetiva. Segundo o autor, “a força maior é o evento inevitável e irresistível, estranho à vontade do agente e que impede a execução normal da obrigação”
Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, ao tratarem da responsabilidade civil do Estado, destacam que o risco administrativo – fundamento da responsabilidade objetiva – deve ser mitigado quando presente um evento externo e imprevisível que torne impossível evitar o dano, como ocorre nas pandemias.
Assim, a decisão do STF alinha-se com o entendimento doutrinário de que eventos pandêmicos, por sua magnitude e imprevisibilidade, afastam a imputação de responsabilidade estatal por atos administrativos pautados na proteção da saúde pública.
O Impacto Prático para Candidatos e Administração Pública
A decisão do STF tem efeito vinculante e impacta diretamente os futuros pleitos judiciais envolvendo candidatos que se sentiram prejudicados pelo adiamento de concursos em razão da pandemia. Do ponto de vista prático, consolida-se o entendimento de que, em situações excepcionais de calamidade pública, o Estado estará amparado pela excludente de responsabilidade.
No entanto, a decisão não afasta a possibilidade de se discutir, caso a caso, eventuais condutas administrativas omissivas ou arbitrárias que possam violar direitos dos candidatos, desde que desvinculadas do contexto da pandemia ou de outros eventos de força maior.
Análise Crítica e Tendência da Jurisprudência
É possível observar que o STF, ao julgar o Tema 1347, também reafirma a busca por uma jurisprudência que respeita o limite da atuação estatal em contextos de emergência sanitária. A decisão impede uma proliferação de demandas que poderiam impactar financeiramente o erário público em situações excepcionais, mantendo coerência com o princípio da eficiência administrativa e da razoabilidade.
Importante destacar que a fixação da tese não impede discussões específicas sobre abusos administrativos, mas delimita que o simples adiamento de concurso em razão de questões de saúde pública – respaldadas em normas técnicas e científicas – não configura hipótese de dano indenizável.
Essa jurisprudência deve ser considerada um importante balizador para gestores públicos e candidatos de concursos, sendo essencial no planejamento de novas provas e editais.
Considerações Finais
O julgamento do Tema 1347 do STF reforça a aplicação do caso fortuito e da força maior como importantes excludentes de responsabilidade civil do Estado em contextos excepcionais. A decisão dialoga diretamente com a doutrina clássica de responsabilidade objetiva e preserva o interesse público maior — a proteção à saúde e à vida da coletividade — frente a interesses patrimoniais individuais.
Assim, os órgãos públicos e as instituições de ensino superior passam a ter um respaldo seguro para a adoção de medidas protetivas que visem a biossegurança dos candidatos, sem a imposição de ônus indenizatório em virtude de circunstâncias imprevisíveis e irresistíveis.
Para mais informações sobre o julgado, acesse aqui.
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