
Introdução
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou relevante controvérsia no julgamento do Tema 1.290, sob a sistemática dos recursos repetitivos, acerca da possibilidade de enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos por empregadores a gestantes afastadas do trabalho presencial durante a pandemia de COVID-19, bem como da legitimidade da Fazenda Nacional para figurar no polo passivo de ações que visem à compensação desses valores.
Contexto Fático e Normativo
A pandemia de COVID-19 trouxe desafios inéditos para o Direito do Trabalho e o Direito Tributário, especialmente em razão da promulgação da Lei n. 14.151/2021, que determinou o afastamento das gestantes das atividades presenciais sem prejuízo da sua remuneração. Contudo, a norma não previu, expressamente, a possibilidade de esses pagamentos serem considerados como salário-maternidade, o que gerou debates sobre eventual compensação desses valores com as contribuições previdenciárias.
A Decisão do STJ: Os Recursos Especiais n. 2153347/PR e 2160674/RS
Em ambos os recursos, o STJ firmou duas teses principais:
Legitimidade Passiva: A Fazenda Nacional é a parte legítima para figurar no polo passivo das ações que visem à compensação desses valores com as contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de pagamento, afastando-se a legitimidade do INSS.
Natureza Jurídica dos Valores: Os valores pagos pelas empresas às gestantes afastadas durante a pandemia possuem natureza de remuneração regular, de responsabilidade do empregador, e não se configuram como salário-maternidade, inviabilizando, portanto, a compensação pretendida.
Trechos Relevantes da Decisão
O Ministro Gurgel de Faria, relator dos dois recursos, destacou que:
“A possibilidade de pagamento de salário-maternidade para empregadas gestantes cujas atividades fossem incompatíveis com o trabalho remoto não foi contemplada pela Lei n. 14.151/2021, tendo sido objeto de veto presidencial […]”.
Outro ponto marcante foi a observação de que o veto à ampliação do salário-maternidade considerou a “indevida ampliação do benefício previdenciário e a ausência de fonte de custeio”1290.21290.1.
Comparativo com o Direito Previdenciário e Trabalhista
No campo do Direito Previdenciário, a doutrina majoritária, como exposta por Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, entende que o salário-maternidade é um benefício da segurada da Previdência Social, pago pelo INSS, e posteriormente compensado pela empresa junto à Receita Federal. Contudo, a Lei n. 14.151/2021, ao atribuir diretamente ao empregador a obrigação de manutenção do pagamento integral das gestantes afastadas sem uma previsão de reembolso previdenciário, alterou a lógica tradicional da responsabilidade.
No Direito do Trabalho, de acordo com Maurício Godinho Delgado, podemos entender que o afastamento da gestante durante a pandemia tem por objetivo garantir a saúde da trabalhadora e do nascituro, o que justifica a manutenção da remuneração sem que isso se confunda com o salário-maternidade previsto na CLT e na Lei de Benefícios da Previdência Social.
Impacto Prático e Jurisprudencial
O entendimento do STJ afasta a possibilidade de que empregadores pleiteiem compensações perante a Receita Federal com base na alegação de que tais valores teriam natureza previdenciária. Além disso, confirma a legitimidade da União para responder em juízo por pleitos de compensação tributária, afastando o INSS da lide.
Isso traz segurança jurídica ao cenário tributário e trabalhista, pois uniformiza a jurisprudência e evita que empregadores possam, de forma isolada, criar compensações tributárias sem previsão legal.
Considerações Finais
O Tema 1.290 do STJ delimita de forma clara os contornos entre as obrigações trabalhistas excepcionais criadas pela Lei n. 14.151/2021 e o regime tradicional de benefícios previdenciários, como o salário-maternidade. A decisão valoriza o respeito ao veto presidencial e ao equilíbrio fiscal, garantindo uma interpretação alinhada ao princípio da legalidade tributária.
Além disso, a decisão tem reflexos significativos para o planejamento tributário das empresas, que não poderão mais enquadrar esses valores como compensáveis com as contribuições previdenciárias.
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