Introdução
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem desempenhado papel fundamental na proteção dos valores democráticos previstos na Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, o julgamento do Tema 1322 de repercussão geral, decidido no RE 1.429.329/RN, traz à tona um importante debate sobre os limites da comunicação institucional estatal e a preservação da memória e da verdade histórica. A controvérsia central foi a possibilidade de órgãos públicos utilizarem recursos públicos para promover comemorações alusivas ao golpe militar de 1964.
A decisão do STF no Tema 1322
O caso concreto
O caso teve origem em Ação Popular proposta contra a “Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964”, editada pelo Ministério da Defesa, que enaltecia o golpe de 1964. A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido, vedando a utilização de recursos públicos para tal finalidade. O Tribunal Regional Federal reformou a decisão, e a questão chegou ao STF.
A tese fixada no Tema 1322
O Plenário, em sessão virtual finalizada em 6 de setembro de 2024, fixou a seguinte tese de repercussão geral: “A utilização, por qualquer ente estatal, de recursos públicos para promover comemorações alusivas ao Golpe de 1964 atenta contra a Constituição e consiste em ato lesivo ao patrimônio imaterial da União”.
A tese foi fixada por maioria, prevalecendo o voto do Min. Gilmar Mendes (Redator para o acórdão), que destacou a violação aos arts. 1º e 37 da Constituição Federal, além do desrespeito ao princípio democrático e ao patrimônio histórico e cultural do povo brasileiro.
Fundamentos constitucionais apontados pelo STF
O STF ressaltou que o Estado Democrático de Direito, consagrado pela Constituição de 1988, não admite o enaltecimento de movimentos golpistas ou de ruptura institucional. A comunicação institucional estatal deve observar a legalidade, impessoalidade, moralidade e, especialmente, a supremacia dos valores democráticos.
Trecho importante do voto de Gilmar Mendes sintetiza essa posição: “Não é admissível que o Estado brasileiro, através de qualquer de suas instituições ou entes federados, empregue recursos públicos para referendar ou comemorar eventos que atentem contra a ordem constitucional e democrática”.
Voto vencido
O Min. Nunes Marques, relator original, divergiu ao considerar que a mensagem não configurava violação direta à Constituição. Contudo, sua posição foi minoritária, acompanhada apenas pelos Ministros Dias Toffoli e André Mendonça.
Tema 1322 – Diálogo com a doutrina
A Constituição como cláusula pétrea da democracia
Alexandre de Moraes, ao tratar do Estado Democrático de Direito, afirma que “os fundamentos constitucionais da República inviabilizam qualquer manifestação estatal que atente contra os valores democráticos”. O autor destaca que atos administrativos e comunicados oficiais devem observar não apenas a legalidade formal, mas a legitimidade material, sob pena de violação à própria razão de ser do Estado Democrático.
A proteção ao patrimônio imaterial da União
Na linha de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, a tutela do patrimônio imaterial da coletividade, como os valores democráticos e históricos, configura expressão da função social do Estado e da Administração Pública, devendo prevalecer sobre qualquer tentativa de relativização por interesses políticos circunstanciais.
Atos administrativos e limites constitucionais
De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, “os atos administrativos devem sempre se pautar pela supremacia do interesse público, sendo nulos aqueles que contrariem valores constitucionais expressos, como a moralidade, a legalidade e a impessoalidade”.
Nesse sentido, o STF reforçou a aplicação do art. 37 da CF/88, que impõe à Administração Pública o dever de respeitar a legalidade estrita e os princípios constitucionais da Administração, especialmente ao se comunicar com a sociedade.
Impactos práticos e repercussão social do tema 1322
Efeitos para a Administração Pública
A decisão vincula todos os órgãos do Poder Executivo, impedindo que recursos públicos sejam utilizados para promover comemorações ou atos que enalteçam o regime militar ou o golpe de 1964. Órgãos públicos, autarquias e fundações estão sujeitos à vedação.
Defesa do patrimônio cultural e histórico
O patrimônio imaterial da União, como destaca a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves, compreende também os valores democráticos e históricos que compõem a identidade nacional e devem ser protegidos contra distorções ou tentativas de revisionismo histórico promovidas por agentes públicos.
Considerações finais
O Tema 1322 reforça o compromisso do STF com a defesa da ordem democrática e com a preservação da memória histórica em conformidade com a Constituição de 1988. A decisão reforça os limites éticos e jurídicos da comunicação estatal, sendo um marco para a proteção do patrimônio imaterial e dos valores republicanos.
Para mais informações sobre o julgado, acesse aqui.
Para análises jurídicas com profundidade e um toque de leveza irônica, acompanhe:
Tribuna.Jus: @tribuna.jus
Café com Deusa Themis: @cafecomdeusathemis
Tribuna.Jus: @tribuna.jus
Café com Deusa Themis: @cafecomdeusathemis
Tribuna.Jus: @Tribuna_Jus