Tema 857 STF: Porte de Arma Branca e a Validade do Art. 19 da LCP

Introdução

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe à tona, no julgamento do Tema 857 da Repercussão Geral, uma análise crucial sobre a subsistência do art. 19 da Lei de Contravenções Penais (LCP) em relação ao porte de armas brancas. Este artigo irá explorar, de forma detalhada, os principais argumentos do acórdão, os fundamentos constitucionais, bem como a visão doutrinária sobre o tema, conectando essas discussões às implicações práticas no direito penal e processual penal.

O caso concreto do Tema 857

O ARE 901.623/SP, que originou o Tema 857, tratou da condenação de Anderson Silva Marques pela contravenção penal do art. 19 da LCP, que tipifica a conduta de portar arma fora da residência sem autorização. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação ao pagamento de 15 dias-multa, destacando o porte de uma arma branca.

A defesa argumentou que o dispositivo seria inconstitucional, pois, após a entrada em vigor da Lei 9.437/1997 e, posteriormente, da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), a exigência de licença para armas brancas não teria sido prevista pela União, o que violaria o art. 22, I, da Constituição Federal (competência privativa da União para legislar sobre direito penal).

O entendimento do STF no Tema 857

O STF, sob relatoria do Ministro Edson Fachin e com acórdão redigido pelo Ministro Alexandre de Moraes, fixou a seguinte tese:

“O art. 19 da Lei de Contravenções Penais permanece válido e é aplicável ao porte de arma branca, cuja potencialidade lesiva deve ser aferida com base nas circunstâncias do caso concreto, tendo em conta, inclusive, o elemento subjetivo do agente.”

Trechos relevantes do acórdão

  1. Tipicidade condicionada ao caso concreto: “Permanece típica a conduta de portar arma branca fora de casa ou de dependência desta, de forma ostensiva ou em locais públicos, como contravenção prevista no art. 19 do Decreto-Lei n. 3.688/1941, devendo o Magistrado analisar a intenção do agente ao portar o instrumento, aferir o grau de potencialidade lesiva ou de efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal”.

  2. Inexistência de inconstitucionalidade formal: “Inexiste a apontada violação ao art. 22, I, da Constituição Federal, se a condenação não está fundamentada no Decreto estadual […] mas, sim, na lesividade do instrumento e no potencial risco à incolumidade física de terceiros”.

Essa posição afasta a tese de revogação tácita do art. 19 da LCP e reforça a necessidade de uma análise circunstancial pelo julgador.

Paralelo com a doutrina

A doutrina penal moderna tem um olhar atento para o princípio da ofensividade e da intervenção mínima. Cezar Roberto Bitencourt, em sua obra sobre princípios limitadores do poder punitivo, alerta que normas penais imprecisas ou vagas podem ferir o princípio da legalidade e da reserva legal.

No entanto, a decisão do STF confirma que o art. 19 da LCP não é uma norma penal em branco. Ao contrário, a Corte afirmou que o dispositivo contém elementos suficientes para caracterizar a contravenção penal e que sua aplicação está restrita à análise da potencialidade lesiva da arma branca e da intenção do agente.

Bitencourt também pontua que o princípio da adequação social deve ser observado. Ou seja, portar uma faca de cozinha para fins utilitários em um mercado não se equipara ao porte ostensivo de uma arma branca em um ambiente público com conotação ameaçadora, como bem destacou o STF.

Reflexos práticos da decisão

Na prática, o Tema 857 impacta diretamente na atuação de defensores públicos, advogados criminais e magistrados, que devem redobrar a atenção na valoração do elemento subjetivo do agente e na lesividade concreta do instrumento.

A decisão também traz segurança jurídica para operadores do direito penal, ao reafirmar a constitucionalidade do art. 19 da LCP e evitar uma lacuna normativa que poderia descriminalizar condutas de perigo relevante à incolumidade pública.

Ponto de atenção para a defesa criminal

A defesa deve utilizar o julgamento do STF para reforçar a necessidade de análise das circunstâncias fáticas, buscando a absolvição quando for evidente a ausência de perigo concreto ou dolo. O argumento da atipicidade material — quando a arma branca for portada em contexto inócuo — ganha força com a própria fundamentação da Corte.

O Tema 857 e o princípio da subsidiariedade

A decisão ainda se alinha à teoria da subsidiariedade, que orienta a aplicação do direito penal apenas quando outras esferas de controle social se mostram ineficazes. O STF, ao manter a vigência do art. 19 da LCP, deixou claro que a tipificação do porte de arma branca como contravenção deve se restringir a situações de risco real e não a meras hipóteses abstratas de perigo.

Conclusão

O julgamento do Tema 857 reafirma a necessidade de um olhar casuístico para o direito penal, prestigiando os princípios da ofensividade e da proporcionalidade. A decisão do STF fortalece a interpretação sistemática do ordenamento jurídico, evita a revogação tácita do art. 19 da LCP e estabelece um parâmetro claro para a tipificação penal do porte de arma branca.

Essa jurisprudência se conecta com as tendências contemporâneas da doutrina penal e processual, que buscam uma intervenção penal seletiva e garantista.

Para mais informações sobre o julgado, acesse aqui.

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